Pela janela das menininhas

Nesta rua tão movimentada, entre as árvores, me escondo para olhar dentro dessa janela. Esse meu ritual tão sagrado aconchega meu coração e eriça os meus pelos. Todo dia a mesma luta, me levanto, calço os sapatos, tomo meu café e vou para varanda observar. Todo dia observo pela janela as minhas menininhas, seus cabelos, seus corpos, seus jeitos, suas nuances e o ódio que sentem por mim. Me escondo como posso, se me verem o circo está montado, xingam, gritam e esperneiam e tenho que me esconder melhor por um dia ou dois.

Pela janela, de dia ou de noite, em qualquer horário, eu as observo. Umas mais, outras menos, mas todas minhas, minhas menininhas. Meu serviço estressante não me dá prazer, minha mulher já se foi espiritualmente, meus filhos crescidos não se importam, então meu coração se aconchega em vê-las. 

Vejo que alguns também as observam, as desejam e cobiçam, passam pelas minhas menininhas e se divertem por um momento, momento esse que me deixa irado. Elas são minhas! Somente minhas, para ver, ouvir e cobiçar. Ah, se eles ousarem bater ponto na minha janela, não respondo por mim.

Temos, nessa variedade de menininhas, as recatadas, as abusadas e as nuas. As recatadas se impressionam ao me ver, arregalam os olhos, fogem de mim e contam às abusadas, que, por sua vez, vêm até a janela, como se não acreditassem no que estava acontecendo e, de forma bruta, me xingam e me afastam dos meus prazeres. 

Minhas preferidas são as nuas, não ligam e se mostram a mim, assim como vieram ao mundo, suas curvas e maciez me contagiam. Elas não me veem, fico às sombras para não ser percebido, quando sou notado as nuas se tornam abusadas e me afastam dos meus prazeres.

Fico triste quando elas estão tristes, fico apavorado quando elas estão apavoradas, fico feliz quando elas estão felizes. Faço parte delas, assim como elas fazem parte de mim. 

Meu dia se transforma em sua pior versão quando as janelas se fecham, meu acalento vai embora e meus pelos se tranquilizam, e eu volto a minha casa fria, sem nenhuma delas para chamar de minha.

Por: Ana Beatriz Justino

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