
O filme Um Copo de Cólera (1999), dirigido por Aluizio Abranches, é uma adaptação da novela homônima, escrita por Raduan Nassar e publicada em 1978. Na história um ex-ativista, interpretado por Alexandre Borges, narra os acontecimentos de uma manhã em sua casa isolada no interior, após ter passado a noite fazendo sexo com uma jornalista, interpretada por Júlia Lemmertz. Tudo desanda quando o homem vê que formigas destruíram sua cerca viva e ele tem um ataque de raiva. O filme tem a duração de 72 minutos e intercala sexo, apatia e fúria nesse meio tempo.
O sexo é apresentado de forma crua, não apenas como um ato físico, mas como uma expressão de dominação e conflito. A relação sexual entre os protagonistas é marcada pela agressividade e reflete as dinâmicas de poder e submissão que permeiam o relacionamento deles e, em um sentido mais amplo, a sociedade brasileira da época. Durante o regime militar, temas como autoritarismo, repressão e desigualdade estavam em evidência, e Um Copo de Cólera explora essas questões de forma simbólica, com o protagonista personificando o discurso autoritário, enquanto a jornalista representa a resistência intelectual e política.
Os protagonistas não têm nome, tanto no livro quanto no filme, e a narrativa segue pelo olhar do homem, que é grosso e sem educação, trata mal os empregados que são as únicas pessoas de seu convívio, pois vive isolado, longe da cidade. A relação dos personagens principais é complexa; o homem é agressivo, durante o sexo mas também fora dele. A escolha de não nomear os protagonistas reforça a ideia de que eles são arquétipos de forças sociais maiores. Ele é uma figura de autoritarismo doméstico e emocional, com suas explosões de raiva e comportamento tirânico com os empregados. Ela, por outro lado, apresenta uma postura mais questionadora e independente, ainda que sua posição também esteja marcada por ambiguidades, pois aceita temporariamente o jogo de poder imposto por ele.
Quando Raduan Nassar escreveu o livro, em 1978, o Brasil vivia sob a sombra da ditadura militar, e isso transparece no texto de maneira sutil, mas poderosa. A relação do casal funciona como um microcosmo das tensões da época: a agressividade do homem ecoa o discurso autoritário e repressivo do governo, enquanto o embate com a jornalista, mais intelectual e provocativa, reflete os enfrentamentos entre a sociedade civil e o regime opressor. O ataque de raiva causado pelas formigas destruindo a cerca viva pode ser interpretado como uma metáfora para a paranoia e o desejo de controle que caracterizavam a ditadura, onde qualquer ameaça, por menor que fosse, era tratada de forma desproporcional.
Na Mostra Toda Nudez Será Castigada o filme recebeu críticas mistas, especialmente quanto ao protagonista masculino. O personagem, com suas longas divagações e monólogos, é frequentemente descrito como chato, preconceituoso e machista, características que tornam o filme difícil de acompanhar em alguns momentos. No entanto, esses traços não são gratuitos: eles são fundamentais para construir a figura de um homem consumido pelo isolamento, pelo ego e pela própria raiva.
Outro ponto de discussão foram as cenas de sexo, que não incomodaram a maioria do público presente na mostra. Diferentemente de muitas produções da época, o filme conseguiu equilibrar a exposição dos corpos masculino e feminino, evitando um olhar exclusivamente masculino que costuma objetificar a mulher. As cenas, embora explícitas, servem mais como um recurso narrativo do que como um elemento gratuito, refletindo a tensão emocional e física que permeia a relação dos protagonistas.
Um Copo de Cólera é uma obra que provoca e incomoda o espectador. Seja pela intensidade dos diálogos, pelas cenas de sexo ou pela representação do poder e da submissão, o filme e o livro dialogam com as contradições do Brasil dos anos 70, mas também permanecem atuais ao explorar as complexidades das relações humanas e as dinâmicas de poder. Apesar das críticas ao ritmo arrastado e ao protagonista desagradável, essas características contribuem para a densidade da obra, que continua sendo um retrato fiel de uma época marcada por opressões e resistência.
Ana Rodrigues
Serviço
Título original: Um Copo de Cólera
Onde assistir: Prime Vídeo (Aluguel)
Classificação indicativa: 18 anos (A18)
Classificação da autora: 18 anos (A18)
Justificativa: Cenas de nudez, sexo e violência.
Gênero: Drama.
