Mariana -MG
2022

Perdi o ônibus! Por mais que tenha corrido na rua, pedido licença aos idosos da fila da lotérica em minha porta – que, mesmo sem me conhecer, desejam-me bom trabalho – e saído de cara amassada, ainda assim perdi o das 7h45. O próximo demora e a espera parece sem fim. Que saco! Assim que ele chega, embarco naquele vagão gelado, sem as companhias do horário anterior. Sento-me sozinha e, quase instantaneamente, puxo o celular e o fone de ouvido para escutar músicas tristes, afinal, ainda são 8 e pouco da manhã.
A viagem nem é tão longa assim e, em menos de 30 minutos, já estou no destino final, uma casa simpática de cor azul, com lindas artes pintadas. Ela está no final de uma ladeira e em frente a uma bela ponte. A vista é bela demais na Rua do Comércio – que não tem muitos comércios. Abro a porta, que faz parte da pintura super colorida, e na parte interior tem muito o que fazer. Sento-me na cadeira amarela de todos os dias e escrevo sobre eventos que já aconteceram. Eles falam de cultura, de educação, de entretenimento e outras muitas coisas. Em todos eles, sem exceção, lembro-me de Cristina. Que saudade!
Desde muito pequena ela lê para mim, conta as mais diversas histórias de sua vida – que é a mais interessante do mundo –, compartilha um jeito que é só dela e eu tenho o prazer de estar ao lado. Ela aprecia tanto a leitura e a contação de histórias que propôs uma atividade em minha antiga escola: a leitura de um livro por semana. Ao final do projeto, foi homenageada pela direção e eu, ali, com um cachorro-quente nas mãos ao seu ladinho. Que saudade!
Todos os dias penso em tantas informações a serem contadas a ela que, quando estamos juntas, acabo me perdendo no embalo de sua voz quase que melódica. Sinto falta todos os dias de nossos cafés da tarde falando sobre os assuntos mais banais e as reflexões mais filosóficas possíveis. Agora os cafés são cheios de “falazada”, mas não as minhas favoritas, que são as de Cristina.
As horas passaram rápido. Peguei o ônibus das 11h30 – esse eu não perdi. A hora da aula se aproxima e estou atrasada – nenhuma novidade. Saio correndo e chego a tempo de não perder o ônibus da linha de raciocínio dessa viagem semanal. O tema é álbum, disco, música e seus mais diversos componentes. Mais uma vez todas aquelas referências à MPB, automaticamente, me fazem retornar à infância, escutando todos os LPs com Cristina. Chego à conclusão de que é difícil demais entender tão bem de música, mas não para Cristina. Porque ela entende de tudo.
A distância parece que nunca esteve tão grande e já não suporto mais ficar sem o carinho, cuidado e ternura dela. A rotina fica vazia sem suas correrias diárias e seu feijão com coentro. É como perder um ônibus todos os dias e o que fica é a saudade.
Mas não, Chega de Saudade! A manhã passou e as luzes apagaram-se, a playlist já mudou e fica somente o Cheiro de Amor – de uma das favoritas de Cristina. Está tudo bem, só perdi o ônibus, mas a viagem vai continuar.
*Este texto foi escrito em dezembro de 2022 e retomado em março de 2025, mês que demarca o primeiro ano sem a presença de Cristina. A saudade, agora, é além de física – por conta da distância entre Mariana/MG e Santo Aleixo/RJ –, também eterna e tem, nas memórias, um lugar de conforto.
Lia Junqueira
