“Mentes extraordinárias” e novas imagens do amor entre homens

A imagem mostra um homem branco, de barba e bigode, cabelos pretos curtos, sentado. Ele veste um jaleco branco de médico por cima de um suéter cinza de tricô. Ao fundo, um quadro negro.
Zachary Quinto como Oliver Wolf. Divulgação/NBC

Comecei a assistir a Mentes Extraordinárias por pura abstinência de uma série médica procedimental, nos intervalos dos episódios de The Pitt. Tenho birra (imerecida) com Zachary Quinto desde a época do delírio coletivo que foi Heroes, queum amigo chamou de X Men para millenials (pois é, sou dessa época). O título também me soava um tanto piegas, meio à la Hallmark (em inglês não melhora muito, Brilliant minds).

Levou 10 minutos para a série me conquistar, e ao final do primeiro episódio estava chorando (ao final de todos os episódios). Em algum lugar no meio da temporada de 13 episódios, disponível no Brasil pelo serviço Max (produzida originalmente pela NBC), comecei a ver similaridades com os casos narrados pelo grande contador de histórias e neurologista Oliver Sacks, e bingo: o seriado é baseado nos livros imperdíveis O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e Um Antropólogo em Marte.

Na série, Zachary Quinto é Oliver Wolf, um neurologista brilhante, mas autocentrado e rebelde: não aceita as maneiras pelas quais a medicina encara os problemas de seus pacientes, que vão de Alzheimer a tumores cerebrais em estágio terminal, e usa abordagens centradas nos desejos das pessoas e no afeto; cura, para ele, tem outro sentido. Wolf tem, ele mesmo, uma condição neurológica rara: prosopagnosia, a impossibilidade de distinguir rostos.

Wolf também tem muitos problemas de socialização, explicados em parte pelo passado marcado por traumas: seu pai, também médico, tinha transtorno de personalidade bipolar e sua mãe, igualmente médica, tomou decisões controversas para protegê-lo.

Depois de ser demitido por conta de seus métodos pouco ortodoxos, Wolf vai trabalhar no Bronx General, em Nova York, a convite da melhor amiga, onde supervisiona quatro residentes na especialidade. Rapidamente ele conhece Josh Nichols, neurocirurgião com quem tromba em algumas decisões. Fosse esse um drama médico qualquer, o roteiro da relação estava traçado: disputa masculina por egos, reconhecimento, financiamento e mulheres. Um desfile, enfim, da masculinidade hegemônica que molda as performatividades de gênero dos homens no audiovisual (e na sociedade).

Mas Mentes Extraordinárias não é uma série qualquer. Oliver é um homem gay, assim como Josh, ambos assumidos e (no presente) bem resolvidos com sua sexualidade. Do estranhamento inicial nasce uma admiração mútua pela competência de cada um (ainda que discordâncias permaneçam) e, em algum momento, paixão. Tratada com delicadeza e complexidade, o namoro dos dois rompe com uma série de estereótipos do audiovisual, em que as relações masculinas são marcadas ora por rivalidade ora por uma parceria heteronormativa (um pacto de masculinidade, os parças).

A foto mostra dois homens da cintura para cima, olhando um para o outro. O homem da esquerda é barbudo, tem cabelos prestos e está de jaqueta de couro. Ele segura com as mãos o rosto do outro homem, que tem cabelos grisalhos curtos e veste um casaco azul. A mão dele está no braço do outro.
Oliver Wolf e Josh Nichols em uma cena romântica da série. Divulgação/NBC

A presença de outros afetos entre homens no audiovisual tem sido cada vez mais frequente, muitas vezes ainda tratada como drama, conflito ou gancho narrativo. Em Mentes Extraordinárias, não. A paixão move certas ações da temporada, mas a trama não está centrada nisso: Wolf e Nichols são médicos homossexuais mas nunca unidimensionais; suas vidas têm esta e outras tantas camadas, às vezes difíceis de conciliar. Quinto, produtor da série, é homossexual assumido e tem feito papeis que exploram a temática, como na peça Angels in America, sobre a epidemia de HIV nos anos 1980, e do escritor Gore Vidal.

Não dá pra ignorar o fato de que a série mostra dois homens gays brancos, do Norte Global, bonitos  – ainda que, como aquele amigo me lembre, o personagem de Quinto não goste de tomar banho – e privilegiados (pois médicos). Estão, portanto, a salvo de certas opressões, como de raça ou classe. Mas os últimos anos, e os últimos meses nos EUA, de forma aguda, mostram que quem ousa dissentir das normas hegemônicas de gênero e sexualidade está sob risco a qualquer momento, e ocupa posições frágeis de proteção e aceitação.

Por Karina Gomes Barbosa

Título Original: Brilliant Minds
Onde Assistir: Max
Classificação Indicativa: 12 anos (A12)
Classificação da autora: 10 anos (A10)
Justificativa: Apesar de mostrar alguns procedimentos médicos, são muito menos explícitos que os de outras séries do tipo. A série ainda tem o bônus de tratar com delicadeza sobre relações homossexuais.
Gênero: Médico/drama.

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