Quem matou Eloá? Quando a violência é confundida com amor

Crédito da imagem: capa do documentário

Eloá Cristina Pimentel tinha apenas 15 anos quando foi sequestrada, mantida em cárcere privado e posteriormente assassinada pelo seu ex-namorado Lindemberg Alves, de 22 anos na época. Tudo isso enquanto os olhos da mídia nacional estavam todos voltados para o local em que o crime se dava. Essa é a história contada no documentário Quem matou Eloá? de 2015, dirigido por Lívia Perez. O produto audiovisual conta com a presença de convidados para assistirem notícias do crime, e irem comentando/questionando o modo como a mídia o abordou. Essas pessoas vão desde mulheres do movimento feminista até advogados que trabalharam na época. O documentário é muito premiado por trazer o conteúdo de uma forma muito ética, exemplificando o problema da persistência da violência contra a mulher no Brasil, não só a psicológica e a física, como também a midiática, perpetrada pela grande mídia televisiva nacional. Alguns dos prêmios foram:

– Melhor Curta-metragem – ATLANTIDOC Festival Internacional de Cine Documental de Uruguay 2015;

– Prêmio Eder Mazini de Montagem 2016 – Memorial do Cinema Paulista;

– Melhor Filme (Categoria Mulheres) – IX Encuentro Hispanoamericano De Cine Y Video Documental Independiente “Contra El Silencio Todas Las Voces” 2016.

Na época os veículos televisivos atuaram de modo muito ativo e incisivo durante a cobertura do caso, tendo chegado inclusive a ligar para Lindemberg durante o sequestro, para conversar com ele enquanto nem mesmo a polícia estava tendo esse tipo de contato, de modo a colocar a vida de Eloá em último plano. Muito era comentado sobre como o homem responsável por cometer o crime era uma “boa pessoa”, um “jovem trabalhador” que estava apenas sofrendo de “paixão”, e que isso estava ocorrendo porque a vítima não queria reatar o relacionamento com ele, como se isso de algum modo justificasse a violência para com a jovem. Ao longo dos dias de cárcere, o sequestrador fazia ameaças e falava da vida dela como algo constantemente em risco, deixando claro que ela já não tinha mais valor para ele, enquanto isso, na televisão nós víamos pessoas falando sobre como só queriam que tudo acabasse bem, sendo esse “bem” os dois juntos como casal.

Em seu livro lançado originalmente no ano 2000, intitulado Tudo sobre o amor, a autora bell hooks fala sobre o sentimento de forma ampla, de como ele se insere em vários momentos da nossa vida, e principalmente de como em nenhum deles o amor se une à violência. Segundo a autora, “onde há abuso, a prática amorosa fracassou”, sendo assim, o ato violento se encontra completamente oposto a tudo o que o amor propõe, ao cuidado e o afeto. Antes do sequestro, Lindemberg já havia agredido Eloá, não só de forma física como também psicológica, tentando impor seu controle sobre ela, o que nos remete a uma frase de Carl Jung citada por hooks, “se o desejo de poder predomina, o amor estará ausente”.

O que havia sido exposto nas imagens de televisão não era um casal que estava passando por um desentendimento, eram duas meninas menores de idade (posto que em alguns dias Eloá foi mantida em cativeiro junto a sua amiga Nayara) que haviam sido sequestradas e estavam com suas vidas em risco. Ao passo que a grande mídia estava romantizando a situação, o que é extremamente perigoso, porque ensina para as meninas e mulheres que assistem a confundir amor e violência, a achar que quando Lindemberg comete um crime, este é perdoável porque ele fez isso movido por “paixão”. A história ficou tão ficcionalizada que nos últimos momentos as pessoas acompanhavam mais como se fosse uma novela do que como se aquelas meninas fossem pessoas reais.

O fim foi Eloá morta com tiros após cerca de 100 horas de sequestro, e Nayara também ferida. Embora tenha sobrevivido, pouco tempo depois a jovem sobrevivente foi chamada para fazer uma entrevista no Fantástico, tendo que responder perguntas bem invasivas sobre o que elas passaram no local do sequestro. Pelo documentário nós vemos a população chocada com o ocorrido, como se durante todos aqueles dias esse final não estivesse iminente, de forma a mostrar como as pessoas não estavam de fato tendo entendimento da gravidade da situação. E isso ilustra a forma como muitas vezes a violência contra a mulher no Brasil é tão normalizada que acaba não sendo levada a sério, um feminicídio não é um “caso de amor” ou de “paixão”, assim como nenhuma forma de violência de gênero reflete isso, tudo o que mostra é uma tentativa de imposição de poder.

Por Lívia Labanca

Serviço: 

Título original:  Quem matou Eloá?

Onde assistir: YouTube

Classificação indicativa: 12 anos (A12)

Classificação da autora: 14

Gatilhos: Violência de gênero, sequestro, cárcere privado e feminicídio.

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