
Inacreditável é uma minissérie americana, estrelada por Toni Collette, Merritt Wever e Kaitlyn Dever. Ela foi lançada em 13 de setembro de 2019, na Netflix, e produzida por Susannah Grant, Ayelet Waldman, Michael Chabon, Sarah Timberman, Carl Beverly e Katie Couric. Distribuída em 8 episódios, a série é baseada na reportagem de 2015: “Uma história inacreditável de estupro”, escrita por Christian Miller e Ken Armstrong. Depois, ainda, houve o lançamento do livro “Falsa acusação: uma história verdadeira”, pelos mesmos autores.
A trama gira em torno da vida de Marie Adler (Kaitlyn Dever) e de uma série de estupros que acontecem nos Estados Unidos. Na produção, Marie tem 18 anos e é uma menina que, quando criança, foi abandonada pela família, o que a fez passar por diversos lares adotivos e situações traumáticas. Em 11 de agosto de 2008, quando morava na cidade de Lynnwood, Marie foi estuprada por um homem mascarado, que apontava uma faca para seu rosto.
Como se essa violência já não bastasse, a vítima passou por outra relacionada ao interrogatório feito pela polícia: foi forçada a contar o abuso repetidas vezes e, ainda, descredibilizada. Os policiais que acompanharam o caso confrontaram tanto a menina que a fizeram duvidar de sua própria história e chegaram a dizer que “poderiam estar nas ruas protegendo pessoas, mas estão ali perdendo tempo com ela”. Irritados e convencidos de que Marie estava mentindo, os policiais a processam por falso testemunho.
Tal violação ocorreu devido ao despreparo dos policiais para atender a menina, uma vez que, segundo a visão deles, Marie não apresentava um comportamento que condizia com a violência que dizia ter sofrido. Mas, nesses casos, não há um padrão: cada pessoa pode reagir de uma maneira diferente diante de um ataque/trauma, e isso não deve ser um critério de confiabilidade na vítima.
Marie foi extremamente prejudicada: teve que ficar sob liberdade provisória, perdeu o emprego, os amigos – que a xingaram por duvidar de sua história – a confiança de seus pais adotivos e precisou pagar uma multa de 500 dólares ao governo. Além disso, sofreu diversos danos psicológicos causados pelo trauma de não ter sido devidamente escutada e respeitada.
Cerca de três anos depois, as detetives do Colorado Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette), de Golden e Westminster, respectivamente, conduzem investigações sobre um possível estuprador em série, que tem o mesmo modus operandi com suas vítimas. O agressor perseguia apenas mulheres que moravam sozinhas, as atacava pela manhã, estuprava, tirava fotos íntimas delas com uma câmera Cyber Shot rosa e as forçava a tomar longos banhos para eliminar qualquer vestígio de DNA.
Por meio de uma das vítimas, Amber (Danielle Macdonald), as detetives descobrem pequenos detalhes que o agressor deixou escapar, que as aproximam de descobrir sua identidade. Ele contou a Amber que falava quatro idiomas e era viajado, além de deixar à mostra uma marca de nascença na panturrilha. Com essas informações, chegaram até Chris McCarthy, que tinha sido do exército americano: ao todo, ele recebeu 358 anos de prisão.
Quando examinavam os pertences do criminoso, encontraram as fotos de todas as vítimas de quem ele tinha abusado, inclusive uma que não reconheciam: Marie. Após averiguar que aquele rosto era de Lynnwood, as detetives informaram a solução do caso para a polícia da cidade, que apenas ali – 3 anos depois – percebeu a violência catastrófica que havia cometido com a vítima.
A polícia, então, avisa Marie sobre a foto dela que foi encontrada nos pertences do estuprador e manda um envelope com 500 dólares para reembolsá-la. Revoltada, Marie processa o Estado, recebe uma indenização de 150 mil dólares, e exige um pedido de desculpas formal dos detetives responsáveis pelo seu caso. Com o dinheiro, Marie saiu do estado de Washington e foi trabalhar como caminhoneira, para ter a sensação de liberdade e independência.
Infelizmente, o contexto de violência da série relatada não é apenas ficcional, é baseado em um livro que conta a história verídica de Marie Addler, no qual ela é entrevistada por Christian Miller e Kent Armstrong . Na realidade, Marie sofreu todas as violações citadas ao longo do texto, desde ter sido julgada, por investigadores homens, que seu comportamento calmo não correspondia ao de uma vítima de estupro, a ser processada e forçada a pagar 500 dólares.
Além disso, os jornalistas entrevistaram o criminoso Marc O’Leary e lhe dedicaram dois capítulos do livro. Isso porque, segundo Miller e Armstrong, eles pensaram como o FBI: é importante compreender como a cabeça do criminoso funciona, para mostrar como ele reconheceu as falhas no sistema e tirou vantagem disso para escapar por tanto tempo. Os entrevistadores contam que, na entrevista, focaram em descobrir como ele tinha tanto conhecimento sobre o trabalho da polícia e como sabia que, se cometesse um crime em diferentes jurisdições, teria menos chance de ser pego.
Produções como essa, em que a ineficiência da elite masculina policial é exibida, são extremamente importantes para servir como alerta e tentativa de mudança social. Por exemplo, na cidade de Lynwood, onde aconteceu o caso de Marie, os detetives passaram a receber um treinamento melhor, para evitar que despreparos como esse aconteçam novamente.
Como o de Marie, há inúmeros outros casos mundo afora. Apenas no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, há uma média de 75 mil casos de estupro por ano, o que corresponde a 205 por dia. Desses casos, a grande maioria não chega às autoridades policiais e, quando chegam, muitas vezes, não recebem a devida atenção em razão do sistema que combina poder e machismo. Isto é, que privilegia homens brancos e heterossexuais em cargos de chefia.
Esse sistema faz com que os homens, estruturalmente, se sintam proprietários dos corpos femininos, e donos até de suas histórias. A necessidade – tão frequente em casos de abuso sexual – de expor, ridicularizar e humilhar a vítima se dá em razão de tornar a mulher um objeto sexual descartável e inferior ao homem. Somado a isso, a falta de preparo/ interesse de muitos policiais para atender a esse tipo de vítima apenas potencializa a violência sofrida por ela.
Por Maria Clara Soares
Serviço:
Título original: Unbelievable
Onde assistir: Netflix
Classificação indicativa: 16 anos (A16)
Classificação da autora: 16 anos (A16)
Justificativa: cenas de violência sexual e machismo explícitas, que podem causar gatilhos aos espectadores.
Gênero: Drama
