
O período em que comemoramos o Natal, Ano Novo e os recessos que vêm com o final do ano podem trazer alegria e espírito familiar aflorado para muitas pessoas. No entanto, para sujeitos LGBTQIA+, essa época pode representar um retorno para o tão temido “armário”, em que somos obrigadas, obrigados e obrigades a retornar para uma realidade menos plural e repleta de preconceitos.
O filme norte-americano Alguém Avisa – ou Happiest Season – mais feliz para quem?- –, dirigido por Clea DuVall, trata exatamente desse momento, no Natal conservador de uma família do interior, em que sua filha Harper, interpretada por Mackenzie Davis, leva sua namorada, Abby – interpretada por Kristen Stewart – como uma “amiga”. Toda a trama tem o intuito de comédia, no estilo clássico estadunidense, quase uma “sessão da tarde”, mas, nesse caso, ressalto o retorno forçado ao contexto heteronormativo a que a personagem foi imposta.
No início do filme, o dia de Natal se aproxima e Abby iria ficar em seu apartamento na capital, cuidando de alguns animais no feriado, o que já era costume, pois, além de não ser uma grande entusiasta da data, podia ficar em um local mais confortável. Porém, ao conversar com Harper, ela a convida para celebrar o natal “como deve ser”; em família, prezando pelo espírito natalino e sentimento de comunidade.
Um detalhe – muito importante – que Harper não citou antes para sua namorada: ela não era assumida para seus pais. Além disso, Abby nem mesmo poderia ser uma amiga lésbica, o que a levava de volta para uma lógica violenta da heteronormatividade compulsória – conceito de Adrienne Rich que pressupõe que todos os seres humanos precisam seguir essa “normalidade” ou regra que é a heterossexualidade.
É claro que, na trajetória do filme, isso é visto como uma fatalidade natalina, do tipo: “Nossa, esqueci a torta!”, e é solucionado no final, com uma aceitação da família e do ciclo conservador de Harper. No entanto, o que está em questão não é uma banalidade qualquer e sim a sexualidade de uma pessoa, uma pessoa que não está sendo respeitada nem mesmo por sua companheira, que a surpreende no caminho para essa cidade distante, ao sugerir que ela precisaria performar algo que não é.
No texto “A epistemologia do armário*”, da teórica de estudos de gênero estadunidense Eve K. Sedgwick, ela nos alerta para essa “prática” de colocar pessoas LGBTQIA+ de volta no armário com as situações mais cotidianas possíveis. Por exemplo, em uma entrevista de emprego, uma ida ao mercado ou simplesmente voltando para casa de Uber somos forçadas a entrar nesse armário que não nos cabe.
Os armários não nos cabem, tampouco a sociedade inteira, que nos mata e condena por sermos quem somos. Porém, nos colocar de volta, sem consentimento ou um diálogo básico sobre a situação familiar, é um erro perigoso a se fazer – assim como ocorre em Alguém Avisa?. Nele, a chave do humor e da tamanha violência que a família conservadora de Harper comete com Abby ultrapassa essa linha tênue e fica somente a maldade.
Ao tratarmos a homofobia, ou crimes com motivação de gênero, com um tom de menosprezo ou até fazendo piadas, estamos legitimando discursos preconceituosos e reforçando uma série de estereótipos violentos com a população LGBTQIA+. Além disso, ao não possuirmos a possibilidade de demonstrar nossos sentimentos, é um tipo de agressão reiterada, pois pessoas hétero estão o tempo inteiro demonstrando afeto e amor publicamente, ou até mesmo mais de sua intimidade enquanto casal, por exemplo.
Enquanto isso, casais lésbicos, seguindo o exemplo do filme, são colocados em quartos diferentes pois “é impensável duas mulheres adultas dividindo a mesma cama!” – frase dita pela mãe de Harper quando as duas chegam na casa da família. Por isso, para além de uma sociedade que não respeita as diferentes expressões de amor, é preciso estar atenta, atento e atente dentro de nossos próprios relacionamentos e o ciclo próximo dessa pessoa.
Alguém Avisa? possui uma representação problemática do que é ser LGBTQIA+ nas festas de final de ano e retornar para casa com familiares e pessoas preconceituosas ao redor. Sabemos que muitas pessoas sofrem diversas violências não só simbólicas como também físicas, chegando a assassinatos e casos graves, sendo o Brasil o país que mais mata.
Assim, nos manter em uma bolha segura para garantir nosso bem-estar nas festividades de final de ano é fundamental. Caso essa não for uma opção, bom, esse é um debate extenso sobre as famílias existentes, mas tente se proteger como pode no momento, pois a realidade do filme – que tem final feliz – não se aplica, infelizmente, a todos os exemplos.
Título original: Happiest Season
Onde assistir: Netflix
Classificação indicativa: 12 anos (A12)
Classificação da autora: 16 anos (A16)
Justificativa: Cenas que reforçam posicionamentos homofóbicos podem não ser positivas para pessoas mais novas, que possuem os filmes como base.
Gênero: Comédia/Romance
Texto por Lia Junqueira.
