Lésbicas não podem ser mães?

Na imagem, Carol, uma mulher branca e loira de cabelos curtos olha, com um sorriso de canto, para Therese, que está de pé, correspondendo o olhar. Therese utiliza um casaco preto e cabelos castanhos
Créditos da imagem: cena do filme

Carol é um filme de 2015, dirigido por Todd Haynes e baseado no livro The Price of Salt (traduzido como Carol), de Patricia Highsmith. O longa recebeu seis indicações ao Oscar de 2016 e foi considerado um dos melhores filmes do ano pelo American Film Institute. A produção trata do romance de Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara), que se conhecem e se apaixonam no contexto de uma sociedade (ainda mais) machista e lesbofóbica da década de 50.

Carol é uma mulher de meia idade, classe alta e é retratada com sofisticação, elegância e uma presença marcante. Seus movimentos e toques são precisos, certeiros. Seus trajes, compostos e impecáveis. Ela usa luvas, boinas, roupas acinturadas e com cores fortes. Therese, por sua vez, é uma mulher mais jovem, entre os 20 e 30 anos, retratada – especialmente no início do filme – como tímida, insegura e um tanto quanto acanhada. Isso é perceptível, por exemplo, em uma cena na qual o garçom pergunta às personagens o que desejam consumir. Carol, prontamente, faz seu pedido, enquanto Therese aparenta nervosismo ao ter que decidir um prato. 

As personagens se conhecem quando Carol vai à loja de brinquedos em que Therese trabalha, onde deseja comprar uma boneca específica para sua filha Rindy (Sadie Heim). Nesta cena, Therese a vê, primeiramente, de longe. A câmera mostra seu olhar duradouro e expressão congelada ao reparar a presença de Carol. Este plano é interrompido por outra personagem, que, ao questionar Therese sobre uma informação, faz com que ela perca Carol de vista, o que passa a sensação de desespero a quem assiste. 

Logo em seguida, Carol aparece no balcão onde Therese trabalha, e solicita ajuda para encontrar o presente que deseja. As personagens trocam olhares, sorrisos e, ao sair da loja, Carol elogia o gorro de Therese e a observa de cima abaixo, deixando-a desconcertada. Poucos dias depois, Carol consegue seu telefone e a convida para almoçar, ocasião na qual demonstra, mais explicitamente, seu interesse por Therese.

O filme se passa em uma época natalina e a questão temporal é bastante explorada na produção. Os acessórios das personagens, as cores das vestimentas – muitas vezes, vermelhas e verdes – e a paleta de cores em tons terrosos expressam tanto o cenário de 1950, quanto as comemorações tradicionais de final de ano. 

Créditos da imagem: cena do filme
Créditos da imagem: cena do filme

Paralela à paixão que começa a despontar, Carol vive um divórcio, em que seu ex-marido Harge Aird (Kyle Chandler) não aceita a separação e a violenta de diversas formas. Uma delas consiste em proibi-la de ver sua filha, uma vez que, ao saber que sua ex-esposa se relacionava com mulheres, Harge consegue uma guarda unilateral sob o argumento de imoralidade. 

Fora da ficção, infelizmente, julgar pessoas LGBTQIPN+ como imorais é algo muito comum. A prova disso são os resultados obtidos na pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil (2011), os quais explicitaram que 45% dos entrevistados acreditam que a homossexualidade está diretamente ligada à imoralidade. Aqui, é importante questionarmos: quem define o que é moral ou não? E por que a homossexualidade está sempre no lado negativo da “linha”?

Para Wermuth e Canciani (2018), a heteronormatividade, “sistema que regula as relações afetivas e sexuais de forma binária e dualista” (p. 14), incide na razão pela qual a homossexualidade é vista como anormal e imprópria. Isso porque, uma vez que a homossexualidade é condenada como algo contraproducente, a heterossexualidade é tida como a única opção natural, desejável e correta. 

Voltando ao filme, depois que Harge impede a protagonista de ver sua filha, ela decide se afastar de Nova York por um período e convida Therese para acompanhá-la. Juntas, elas percorrem diversas cidades do oeste dos Estados Unidos e, neste percurso, o longa retrata a aproximação das personagens. A afinidade e intimidade entre elas se constitui de forma lenta, sem desespero e ansiedade. Tudo envolto por toques delicados, olhares duradouros e insinuações sutis. 

Em dado momento, Carol descobre que estavam sendo gravadas por um detetive, contratado por Harge, para conseguir comprovar sua “imoralidade” e assegurar a guarda unilateral permanente de Rindy. Depois disso, para tentar reverter a situação e ver sua filha, Carol decide se afastar de Therese e encerrar a relação entre as duas, o que se caracteriza como um processo difícil e doloroso. 

Na audiência, o advogado da personagem, ao defendê-la, diz que seu psicólogo e psiquiatra atestam a recuperação de Carol desde o “incidente do inverno”, como se ela estivesse curada daquilo que, ainda hoje, é considerado doença pela sociedade. Ao perceber como sua orientação sexual estava sendo tratada como algo errado/ desvio de caráter, Carol interrompe a sessão e argumenta que, apesar de amar a filha incondicionalmente e desejar a guarda dela, ela não teria utilidade na criação de Rindy se negasse sua própria essência. Então, ela diz que cede a guarda a Harge, contanto que possa visitá-la.

Na sequência, Carol vai atrás de Therese, sugere uma reaproximação e a convida para morar com ela. Na cena final, Therese a olha de longe, em silêncio, dando a entender que aceita o convite. Carol retribui o olhar, com os olhos marejados de felicidade e o enquadramento se fecha em seu rosto. 

Por um lado, Carol decide viver um romance lésbico e assumir sua essência, mas, por outro, teve de abrir mão da guarda da filha para isso. Ou seja, a mensagem transmitida é que, como mulher lésbica, Carol não poderia vivenciar a maternidade e ser completamente feliz. Ao afirmar sua identidade (vista como dissidente), automaticamente, a personagem é colocada no lugar de imoralidade/ irresponsabilidade que discutimos anteriormente. 

O filme, apesar de trazer representatividade e ter um final parcialmente feliz em comparação à maioria das produções que retratam romances lésbicos (que nos reserva um fim trágico, como em The World to Come), evidencia que certos papeis sociais não devem ser de acesso à existência lésbica, e a maternidade é um deles. 

Por Maria Clara Soares

Serviço

Título original: Carol

Onde assistir: Não está disponível em nenhuma plataforma

Classificação indicativa: 14 anos (A14)

Classificação da autora: 14 anos (A14)

Justificativa: O filme tem cenas de sexo e violências, inapropriadas para crianças

Gênero: Drama e romance

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