“Você já se apaixonou? Como é a sensação? Ah, o primeiro amor…”

Esses são os questionamentos e conversas que iniciam Corações Jovens (Young Hearts no original), produção belga-holandesa de 2024 e estreia de Anthony Schatteman como diretor. O filme fala de amor, de família e, principalmente, de novas descobertas e possibilidades de experimentar esses sentimentos e a forma de lidar com eles.
A história se passa numa pequena cidade europeia na qual Elias (Lou Goossens) reside com sua família e vive de maneira tranquila, até que um novo vizinho chega e embaralha a rotina e os sentimentos do adolescente de 14 anos. Alexander (Marius de Saeger) tem a mesma idade de Elias e, além de vizinho, passa a dividir a mesma sala de aula com ele, assim adentra no mesmo grupo de amigos e rotina diária do jovem.
Os sentimentos que são despertados a partir desse momento resultam numa confusão de sensações, bem típicas da adolescência, quando estamos nos entendendo e nos colocando no mundo. O amor, por sua vez, não foge disso, e nos insere num emaranhado de pensamentos, que, no filme, são descritos de maneira intensa por meio dos olhares e do silêncio de Elias. O jovem hesita em perguntar, em falar, mas seus olhos transmitem o tamanho das dúvidas, questionamentos e medo por se descobrir apaixonado por um menino.
Alexander, por outro lado, vem de Bruxelas – capital da Bélgica – e já havia se relacionado com outro garoto antes da mudança, ou seja, para ele essas relações ocupavam outro lugar, o de liberdade com quem era. Porém, mesmo com um ambiente tranquilo e de diálogo aberto, Elias se vê cercado de uma opressão que vem de dentro, do que somos induzidas a acreditar como normal ou mesmo como possível – é a agência do machismo em relação aos homens, que também machuca e os impede de viver de maneira plena.
No meio de tudo isso, Fred (Dirk Van Dijck), avô de Elias e com quem tem uma relação muito próxima, relata sua história de amor com a avó do menino, que já faleceu. Ele ressalta que “um amor desses a gente não encontra duas vezes” e o convence de que Alexander é uma pessoa muito importante para perder. Dessa maneira, ele retorna e mostra, com todo seu amor, que está presente e não tem vergonha de assumir isso para o mundo – e todos ao redor na festa em que estavam.
Enquanto a história se desenrolava, foi impossível não lembrar de Close (2022), filme de Lukas Dhont, pela semelhança das imagens, das novidades e até do andar de bicicleta pelos campos europeus. Porém, diferente do drama de Leo e Remi, os personagens de Young Hearts têm a possibilidade de viver – em primeiro lugar – e experienciar essa paixão. Além disso, todas as pessoas que estavam perto dos jovens não se afastam ou os violentam. Ainda que haja reflexos ligeiros desses comportamentos com um grupo de meninos mais velhos da escola, eles não sobressaem à beleza da relação de Elias e Alexander.
Agora, no momento em que acabamos de passar pelo mês do orgulho LGBTQIAPN+, é importante pensarmos sobre os significados mobilizados pela mídia – seja no jornalismo ou em produções culturais como filmes, séries e shows –, do que é ser um corpo lésbico, gay, bissexual, trans, queer, intersexo, assexual, panssexual, não binário, dentre outras identidades. Precisa, e deve, ser mais do que orgulho, mas possibilidade de existência, de segurança e também de acolhimento.
Exibimos Corações Jovens no dia 26 de junho em parceria com o Centro de Referência e Acolhimento LGBT+ (CRA) de Ouro Preto, MG, e também junto aos projetos Diversidade e Representatividade LGBTQIAPN+ e Papear, Ouvir e Conscientizar (POC), ambos ligados ao Programa de Incentivo à Diversidade e Convivência (PIDIC) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A sessão foi como uma abertura especial da nossa terceira Mostra Cinematográfica O Amor é Filme, na qual vamos seguir discutindo, com perspectiva de gênero e sexualidade, sobre amor(es).
A sessão foi um momento de compartilhar afetos e unir forças àqueles que nos fortalecem, dividem pensamentos semelhantes e caminham numa mesma direção: a igualdade para todas as pessoas. Pensar nisso é também considerar as intersecções entre as opressões que atuam em nossa sociedade patriarcal, racista, misógina e neoliberal, por exemplo. Porém, algo que nos aproxima dessa produção é o acolhimento.
Nesse contexto, Young Hearts se apresenta como o esforço da comunidade em criar espaços seguros para a vivência de amores plurais. Parte da discussão no espaço do CRA pensa justamente na falta de acolhimento das gerações passadas de pessoas LGBTQIAPN+, na violência, no abandono e no descaso que elas/eles/elus sofreram ao assumirem seus relacionamentos, principalmente no contexto familiar.
No Centro de Referência (CRA) todes se sentiram acolhides para expor seus pensamentos quanto ao filme, para relatarem casos particulares, para comentar desconfortos e alegrias, o que só adiciona para o conteúdo assistido. Percebe-se o acolhimento que o local traz para muita gente, e as maneiras que as pessoas encontraram de ocupar esse espaço de forma livre. A sessão contou com 18 pessoas, pipoca, refrigerante, e muito afeto compartilhado.
O filme é um respiro de ar fresco frente a tantas outras produções, e nos permite “esperançar” um futuro em que jovens corações tenham espaço para amar da forma que escolherem, sem sofrer represálias por isso. Elias e Alexander, por meio de suas atuações, demarcam novas maneiras de pensar o sentir, e entregam uma obra leve e otimista para todos os afetos.
O maior mérito de Young Hearts é sua capacidade de retratar o primeiro amor de forma universal. As borboletas no estômago, os olhares tímidos, a ansiedade de se aproximar da pessoa amada e a confusão dos próprios sentimentos são experiências com as quais qualquer pessoa pode se identificar, principalmente os mais novos, que estão aprendendo a lidar com o turbilhão de emoções da puberdade. O filme capta essa fase da vida com um naturalismo raro, focando nos pequenos gestos e nos silêncios que dizem mais do que palavras.
A relação de Elias com sua família, especialmente com seu avô, é um dos pilares emocionais do filme, e foi considerado pela maior parte dos presentes na sessão como a parte mais bonita da exibição. É através de conversas sutis e de um ambiente de aceitação que ele encontra o espaço para começar a entender a si mesmo. O filme sugere que o diálogo e o apoio familiar são fundamentais no processo de auto aceitação, tratando o tema com uma normalidade que é tanto reconfortante quanto educativa.
A direção de Anthony Schatteman é contida e observacional. A câmera se move com calma, valorizando a paisagem bucólica do interior da Bélgica, que serve como um cenário quase idílico para o desabrochar do romance. A estética do filme, com sua luz natural e ritmo tranquilo, complementa perfeitamente o tom sensível da narrativa, com capturas belíssimas de rios e lagos, trazendo fluidez para a obra e dando vazão aos sentimentos.
Young Hearts é um filme delicado, sincero e comovente sobre a descoberta do primeiro amor e da própria identidade. Sua força reside na simplicidade e na autenticidade com que aborda esse tema, provando que histórias sobre o amor LGBTQIAPN+ não precisam ser definidas pela dor para serem profundas e impactantes. É uma obra que celebra a inocência, a coragem de ser quem se é e a beleza universal de se apaixonar pela primeira vez.
Um post do projeto Diversidade e Representatividade LGBTQIAPN+ afirma que:
“na contramão dos silêncios de tantas adolescências LGBTQIA+, esse filme [Corações Jovens] oferece o que muitos de nós buscamos: o acolhimento. E, pela primeira vez, o amor não é segredo, nem é sentença. Mas primavera.
O amor acontece.
A família não grita.
Os amigos não somem.
O mundo não vira costas.
E, nesses pequenos minutos,
o amor floresce”.
Esperamos que nossos amores possam ser sempre vividos, acolhidos e possam florescer com liberdade e segurança.
Serviço:
Título Original: Young Hearts
Onde assistir: Não está disponível para streaming.
Gênero: Drama, Romance, Amadurecimento
Classificação: 12 anos (A12)
Nossa classificação: 12 anos (A12)
Justificativa: O filme contém representações positivas e prósperas de amor entre pessoas do mesmo gênero.
Por Lia Junqueira e Sophia Ribeiro
