Cobertura de feminicídios e deficiência: uma perspectiva de gênero

Foto: Geovana Zanaki

No dia 02 de fevereiro,  o Projeto Ariadnes realizou mais uma Oficina. Tratamos da cobertura dos feminicídios das pessoas com deficiência, debatendo termos corretos e uma perspectiva de gênero sobre o tema, que ainda é muito pouco discutido. Quem conduziu esse momento mais do que importante foi Lívia Labanca, jornalista pela UFOP e mestranda em Comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, que fez parte de nossa equipe durante a graduação.

Falar sobre violências físicas, psicológicas e patrimoniais, por exemplo, é um assunto difícil de engolir e trazer para o debate. No entanto, ao falar sobre a violência midiática que mata, estupra e agride novamente essas mulheres, é possível alcançar um novo local de problematização. O papel da cobertura noticiosa possui impactos que perduram na forma que enxergamos os casos. Dessa maneira, se todas as informações disponíveis sobre o assunto são repletas de capacitismo e misoginia, assim será nossa percepção formada. 

Alguns traços fundamentais nessa cobertura problemática são facilmente notados – e também poderiam ser modificados sem qualquer dificuldade –, como o uso da voz passiva (exemplo: A mulher foi morta…) que coloca o foco do crime na vítima, e não no agressor. Outro ponto é a apuração rasa, utilizando fontes como polícia e família, que não refletem sobre os motivos, tornando feminicídios episódicos, e podem, ainda, reforçar um estereótipo de “mulher de malandro”, termo usado de forma pejorativa quando mulheres sofrem violência doméstica e continuam nessas relações, como se elas fossem culpadas.

Ainda sobre a apuração, casos de feminicídio de mulheres com deficiência não recebem uma atenção especial, um lugar importante em sites, jornais e noticiários, fazendo com que pareçam “raridade”. Além disso, esses casos não possuem desfechos na mídia atual, pois, ao publicar a informação de um assassinato, ela não se esgota ali, principalmente de um feminicídio. A morte de uma mulher é o início de uma investigação, que busca justiça para essa vítima. 

Dessa forma, o dia ou semana após o crime deveria continuar em destaque, com suítes – o desdobramento de uma notícia –, fazendo com que o trabalho da/o jornalista fique mais aprofundado. Porém, algo que devemos estar constantemente atentas é sobre a cobertura local, pois nos veículos com menos visibilidade é que estão concentrados números assustadores de violência midiática.  

Foto: Karina Gomes Barbosa 

Lívia fez indicações preciosas de leituras para se aprofundar no tema, como “Histórias de morte matada contadas feito morte morrida: A narrativa de feminicídios na imprensa brasileira”, de Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues; “Sobrevivi…posso contar”, de Maria da Penha; e “Comunicação e Acessibilidades: um guia para práticas hospitaleiras”, organizado por Sônia Caldas Pessoa, Camila Mantovani, Ângela Salgueiro Marques e Phellipy Pereira Jácome. Ela indicou ainda o Manual de Cobertura Universa, para pensar e aprender, na prática, maneiras de realizar uma cobertura, no mínimo, respeitosa.  

Essas recomendações foram alguns dos principais materiais utilizados por ela em seu Trabalho de Conclusão de Curso, que discutiu e analisou a cobertura de cinco feminicídios de mulheres com deficiência em diferentes regiões do país.  

No final, quando estávamos em debate sobre qual é o lugar da perspectiva de gênero dentro do jornalismo e dentro do curso da UFOP, as participantes realizaram a observação da ausência de homens na oficina. Essa ausência histórica é reflexo do desinteresse e, principalmente, da visão de homens e meninos que não se entendem como implicados na questão de gênero, violência e cobertura desses temas. Porém, esse é o grupo que mais produz e reproduz todos os tipos de ofensa e, claro, o grupo mais ouvido.

Logo, sem a presença masculina em debates como esse, a tarefa de realizar uma cobertura mais profissional e com a perspectiva de gênero fica mais difícil. Essa não deveria, e não é, uma luta somente feminina. Os homens não somente do jornalismo, mas de todos os campos devem se interessar pelo debate de gênero, por um debate que também os implica. 

As mudanças e avanços são notáveis em relação ao passado, no entanto, não são suficientes para prosseguir com uma notícia que prioriza a polícia como fonte ou coloca “assassinato brutal” ao invés de feminicídio, por exemplo. Portanto, é preciso interesse – de todas as pessoas, homens ou mulheres –, apuração aprofundada e perspectiva de gênero para uma cobertura de qualidade. 

Por Lia Junqueira.

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